15 de junho de 2007

Um breve relato sobre minha viagem ao Rio de Janeiro

Caras leitoras e caros leitores amigos,
publico o relato da minha viagem ao Rio de Janeiro. A viagem aconteceu entre os dias 15 à 22 de maio. É com muito prazer que divido esta experiência.
Abraços, Jocivaldo.

Intercâmbio e socialização da pesquisa efeito das ações juvenis para superação da violência na região do Submédio São Francisco foi realizada em 2005.

Período: 15 a 22 de maio de 2007

Logo de início gostaria de falar do sentimento que sinto ao fazer a socialização dessa pesquisa com outros públicos diferentes do que costumo trabalhar, por serem públicos de cidades ainda desconhecida por mim.

Ao sair da cidade de Rodelas, no dia 22 do corrente mês e ano, estava calmo de certa forma, mas um pouco de medo por não saber o que iria encontrar. Quando desembarquei, fomos recepcionados pela simpaticíssima Priscila, assiste de programa TRD de KONONIA, que nos levou para casa do Jorge Atílio, coordenador do Programa TRD.
Ao chegar tivemos um delicioso almoço preparado por sua esposa de Atílio - a Raquel. Já sentamos para ver a trajetória desses dias nessa cidade: qual o público, com qual objetivo e etc. Terminado esse momento de conversa aumentou meu medo, pois ficamos sabendo que iríamos apresentar a pesquisa, para nada mais nada menos, que alunos das melhores universidades da cidade do Rio de Janeiro e sem falar nos jovens de favelas, jovens da periferia urbana (PROFEC) e uma comunidade Quilombola. Além do mais já iríamos para a cidade de Niterói. Fomos a UFF (Universidade Federal Fluminense), mas infelizmente não foi possível naquele momento apresentar a referida pesquisa, que foi marcada para quinta-feira dia, dia 17.

Quarta-feira, 16/05/07
Passando, esse primeiro momento, acordo hoje ainda assustado, mas com a esperança de que tudo vai dar certo. Saímos à tarde para a favela da Maré, onde conversaremos com jovens que fazem parte do programa “Rota de Fuga”.

Chego, de primeira mão, muito curioso e fomos recebidos com muita alegria pelos coordenadores e jovens da entidade. Foi uma conversa muito agradável, mas o que particularmente gostei desse papo foi ouvir jovens que vivem no dia-dia a dificuldade de morar em uma favela violenta. Cada depoimento, cada relato era emocionante, mas pude ver também que existem muitas coisas boas na comunidade e que nem tudo que é colocado, através da mídia, é realmente a verdade. Terminada a conversa, saí desejando que as questões que afligem a comunidade logo tenham fim e fico muito feliz que os primeiros passos já estão sendo dados.

Fomos, a noite, a Universidade Estácio de Sá. Chegamos a Estácio por volta das 20h40. E às 21h entramos na sala de aula. Os alunos do professor Jorge Atílio foram muito simpáticos, mas confesso que estava muito assustado. Nessa conversa o que me chamou a atenção foi à participação dos mesmos: perguntando, questionando, e etc.
Só espero que as outras turmas universitárias que pegaremos, sejam assim. Saio muito satisfeito! O nervosismo diminuiu e o rendimento pessoal, acredito ter melhorado. Agora é ir para casa descansar para amanhã.

Quinta-feira, 17/05/07
Amanheço com dois sentimentos: um é de muito felicidade por tudo ter dado certo, e o outro é de ansiedade! Estou louco para chegar logo na cidade de Duque de Caxias e conhecer os jovens do PROFEC (Programa de Formação e Educação Comunitária).
Chegamos a referida cidade por volta das 9h00. Chegando lá fomos recebidos pela coordenadora Cíntia que nos conduziu até a sala onde iria acontecer à conversa. Um delicioso café da manhã nos esperava e terminado o café, fomos apresentados à turma, mas te conto prezado(a) leitor(a) estou me sentido no coletivo de jovem do Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco em que, felizmente, já participei.

Uma turma alegre participativa e o melhor com vontade de querer sempre se organizar e lutar junto pelos seus objetivos. Depois desse bate-bola muito agradável, saio triste por já ter que ir embora, pois temos um compromisso, logo depois, na UFF. Mas por outro lado saio muito contente de ficar sabendo que como a gente lá do Submedio São Francisco se reune para que juntos a gente possa discutir e juntar força para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia.
Chegamos à outra cidade linda desse maravilhoso estado do Rio de Janeiro e "princezinha" Pricila nos convida para irmos ao Mercado de Peixe São Pedro e comer um peixe chamado “namorado”. Eu não sabia que comer namorado era bom assim há!ha!ha!
Depois dessa, vamos dizer assim “festa culinária”, fomos correndo para Universidade. Logo de início tivemos uma conversa com o professor Paulo Carrano e a professora Ana Brenner, onde passamos algumas informações sobre a região SMSF (Submédio São Francisco) e se interessaram em estar divulgando, através do boletim da entidade Observatório Jovem Rio.
Terminada a conversa, para o próximo encontro. Fomos para turma de Engenharia Agrícola da professora Ana Maria Mota Ribeiro. A professora Ana nos recebeu com muitas honras e me surpreendi com o tamanho conhecimento sobre as causas e lutas do povo da região do submedio em se tratado do reassentamento de Itaparica. Em seguida teve que partir, pois tinha que terminar os preparativos para o lançamento do seu livro “Laudo Multidisciplinar em Conflito Sócio-Cultural” que foi à noite. E deixando as honra da recepção com o estudante de Sociologia: Bernardo.
Depois de uma rápida apresentação, iniciamos a apresentação da pesquisa e os alunos se mostraram muito interessados com o assunto. Mesmo porque se tratava de falar de uma região agrícola que área de interesse deles. Fiquei satisfeito com a integração da turma e a curiosidade de saber como é a nossa região.
Em seguida fomos ao lançamento do livro de Ana. Fomos muito bem recebidos e a única coisa que não tava "batendo" era o canto da orquestra, pois achei desafinada (ha!ha!ha!) Mas tudo bem! O mais importante é que nós estávamos desfrutando da alegria da queridíssima Ana mota e para completar, nossa maravilhosa noite, nos deu seu livro para o Coletivo de Jovens. Partimos de volta para casa de Priscila descansar para outro dia.

Sexta-feira 18/05/07.
Estava fazendo um dia muito lindo! Depois de um delicioso café da manhã e conhecer a simpaticíssima mãe de Priscila: a Neidinha. Fomos conhecer o centro da cidade.
Andamos de metrô e conhecemos a igreja da Candelária. Fomos almoçar e em seguida fomos para a KOINONIA para a apresentação institucional da nossa pesquisa. Uma galera irada e muito sangue bom! Nos deixaram como se estivéssemos em casa. Foi uma experiência muito interessante!
Em continuidade, do dia, a volta para casa do do Jorge Atilio, passeamos por Copacabana. Na praia onde sentamos para tomar um brejinha (cervejinha) bem gelada e ver minha companheira de viagem, Vânia Tatiane, se esbaldar ao andar nas maravilhosas areias da praia de Copacabana. E, voltando a cerveja e caramba! E pedi uma Bohemia, pensando que era do mesmo preço que as outras, e me ferrei! A danada custava $R4,00 a lata! Acabando a cerveja, fomos para casa.

Sábado 19/05/07.
Hoje é o dia de visitar a comunidade Quilombola de Alto da Serra do Mar. Este é o grande motivo do convite para virmos até o Rio de Janeiro. Então, essa intercâmbio é mais especial ainda, porque temos que agradecer por esses momentos únicos em nossas vidas, desfrutando dessas cidades e povo.

A trajetória foi maravilhosa! Muitas paisagens bonitas e únicas! Depois de 2 horas e meia de viagem chegamos na comunidade um espetáculo o local. Fomos recebidos com muito afeto e carinho e seguimos para conhecer o lugar.
O lugar é lindo e aproveitamos para tirar várias fotos. O almoço foi na casa família que recebeu tão bem. O almoço estava delicioso.
Apresentação da pesquisa, aconteceu logo após o almoço, e trocamos experiências das nossas hitórias e fiquei encantado com a semelhança da luta daquele povo com o povo da região do Submedio para ter o direito ao seu pedacinho de terra.
Contamos a experiência do Coletivo de Jovens do Pólo Sindical. E, só para variar, fiquei muito feliz com tudo que vi e ouvi. Uma gente lutadora e guerreira que a única coisa que quer é ser feliz com seus direitos garantidos. E fiquei, particularmente, emocionado em andar por aquele campo e lembra do lugar onde tive a honra de ter passado uma boa parte de minha infância.
Agradeço, de coração, todo carinho daquele povo e saio com o peito rachado e com esperança que um dia voltarei a revê‑las e assim sentir o brilho de seus sorrisos iluminando minha alma.

Domingo, 20/05/07.
Domingo! Hoje estou cansado, mas como diria o saudoso Luiz Gonzaga: “só deixo meu cariri no ultimo pau de arara.
Saímos, Tati e eu, com a família do Atilio para conhecer alguns lugares da cidade. Almoçamos em um lugar lindo demais! E conhecemos um garçom conterrâneo nosso - o “Chico". Um rapaz muito alegre e camarada, e parece que também gostou da gente. Porque além do marovilhoso papo tivemos, de quebra, três Chope de graça. Em seguida, saímos em trilha por paisagem linda da orla do Rio.
Encontramos, de noitinha, a Priscila e fomos para Copacabana. E paramos para conversar e comer uma pizza. Nunca comi tanta na minha vida! Tiramos fotos e saí, de intrometido, na foto de uns gringos - que eram argentinos ou italiano. Eenfim saí na foto.

segunda-feira 21/05/07.
Está chegando a hora da partida. Passamos o dia em KOINONIA. O pessoal entidade é muito lega. Após a noite fomos assistir a aula do professor Jorge Atilio.

Terca-feira 22/05/07.
Acabou infelizmente! Parece uma noite de sonhos e tudo acaba quando o dia amanhece. O meu maravilhoso sonho acabou e agora é espera "outras noites" dessas chegarem. Enquanto não chega, o que me resta é avaliar e concluir este capitulo.
Como já disse, quando cheguei fiquei muito assustado com o que iria acontece, mas depois foi tudo muito perfeito! E só tenho que agradece toda equipe de KOINOIA, Pólo Sindical e com iguais honras, todos outros atores que contribuíram direta e indiretamente para que esse projeto desse certo. Saio muito feliz, espero que tenham gostado!
Tchau!
Jocivaldo Cruz, eternamente jovem.
Jocivaldo é município de Rodelas do estado da Bahia

14 de junho de 2007

Lembranças eternas...

Hoje, pretensiosamente, quero falar de sentimentos e emoções. Falar do que sinto... e como sinto! Desejo compartilhar uma experiência educativa que é única, e não falo de outro, e sim do meu eu. Falo da minha experiência educativa.

No dia 15, do mês de maio, dois jovens chegaram ao Rio de Janeiro. Tati, de Jatobá (PE), mulher, jovem, agricultora e graduanda do curso de Pedagogia; e Joci, de Rodelas (BA), homem, jovem, agricultor, participante do Conselho Tutelar de seu município e graduando do curso de História. Estes dois jovens, protagonista do meu aprendizado, vieram ao Rio para uma semana de Socialização da Pesquisa "Ações Juvenis para Superação da Violência na região do Submédio São Francisco" e para intercâmbio entre Jovens Camponeses e Jovens Quilombolas.

A semana foi repleta de expectativa, de muitas esperas e esperanças. A pesquisa foi apresentada para uma turma de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, para uma turma de Sociologia Rural da Universidade Federal Fluminense (UFF) e para algumas instituições: como o Observatório de Favelas - que trabalha com jovens da Favela da Maré -; e o Programa de Formação Educação e Comunitária (PROFEC). A viagem foi permeada por encontro, olhares e constatações. Realidades distantes e tão próximas. Realidades que tem pontos de intersseções não pensadas, não vislumbradas.

Falaram sobre violência e afirmação de direitos. Demonstraram que são sujeitos da história, da história de suas vidas e da sua região. Foi possível ser expectador da experiência desses sujeitos históricos. E, lá estava eu, a cada passo, cada apresentação, vendo algo real e concreto. Vi pessoas dispostas a pensar a sua realidade. Pessoas dispostas a mudar a sua realidade. Ali estavam dois jovens, dois agentes históricos, apresentando a construção de um ideal de democracia, justiça e direitos.

Estavam ali pessoas reais, com histórias reais e desnudando suas experiências para quem estivesse disposto a ouvir e questionar. Não era apenas uma apresentação e sim um convite a pensar junto à realidade brasileira. Era um convite a se pensar a sua realidade apesar das diferenças regionais, pessoais.
Eu estava lá para compartilhar todos os momentos simples e importantes. Os momentos de lazer, como ir ao CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e ver também pela primeira vez uma tela abstrata. E lá estavam os 3 curiosos (e idiotas) buscando ver algo na tela. E ainda buscando devesvendar, junto com os dois, as pinturas e invenções dos artistas da China. (Exposição “China Hoje”, quem puder: vá!).


Estávamos ali compartilhando a experiência de conhecer, nos conhecer e compartilhar. Pude agora não mais apenas ver a realidade distante da minha e sim compartilhar a minha realidade, a minha cidade e o meu lazer, prazer, com amigos eleitos pelo coração.


O trabalho se confunde com o prazer. E não é mais trabalho quando há uma identificação é que pessoal.
As inúmeras coisas que posso dizer e lembrar, mas momentos que serão inesquecíveis. Lembranças eternas em minha alma.


Só posso dizer: Agradecida!!!



Priscila Chagas
Assistente do Programa Trabalhadores Rurais e Direitos de KOINONIA

Rio de Janeiro (RJ), 24 de maio de 2007.

29 de maio de 2007

Carta, quase crônica, de dois jovens camponeses sertanejos que se encontraram com um montão de gente.

"Todos os dias são os últimos dias, o último dia é hoje" Walter Benjamin


Rio de Janeiro (RJ), 23 de maio de 2007.

Caras amigas e caros amigos;

Koinonia desenvolve uma assessoria naquela região ao Departamento de Jovens, da Secretaria de Mulher e Jovens do Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, nos últimos quatro anos também aos jovens organizados por meio da Coppabacs (Cooperativa de Pequenos Produtores de Bancos de Semente), uma cooperativa de agricultores que disseminam sementes crioulas, para a soberania e segurança alimentar da região, no Baixo São Francisco. Nossa principal ação é a formação política e cidadão para o desenvolvimento rural sustentável e solidário, por meio de ações culturais. Por isso, é uma grande alegria o que vou partilhar com vocês e para algumas e alguns já é um agradecimento, ainda informal, pelo apoio e carinho. Nós recebemos esses dias, aqui no Rio de Janeiro, dois jovens camponeses sertanejos, das cidades de Jatobá (PE) e Rodelas (BA), com quem trabalhamos há alguns anos. O motivo da vinda deles era duplo: socializar os resultados da pesquisa que eles realizaram sobre os efeitos das ações juvenis no Submédio São Francisco para a superação da violência e fazer um intercâmbio com jovens da comunidade quilombola de Alto da Serra do Mar, no povoado de Lídice, município de Rio Claro, no Rio de Janeiro.

Estiveram aqui, conosco, Vânia Tatiane, agricultora de área seca, 21 anos, estudante de pedagogia na UNEB, em Paulo Afonso (BA); e Jocivaldo Sá, 24 anos, agricultor em reassentamento irrigado, fruticultor, estudante de história no CESVASF, em Belém do São Francisco (PE). Eles permaneceram uma semana no estado do Rio de Janeiro. Chegaram terça-feira, 15 de maio e estiveram conosco até ontem, 22 de maio. Recebi hoje de manhã uma comunicação pelo MSN do Jocivaldo, que já chegou a Petrolândia (PE). Disse que os dois tiveram uma boa viagem, apesar do atraso do vôo da Gol. Hoje de manhã, quando chegava a Petrolândia (PE), de carona com um dos dirigentes do Pólo, Ademar Fagundes, foram paralisados pelos Sem-Terra, entre Paulo Afonso e Petrolândia. Os dois tiveram que deixar o carro naquela curva, e seguir a pé para a sede do Pólo, porque em apoio ao movimento entenderam que não cabia privilégio de trânsito para os camponeses sindicalistas.

Eles fizeram um circuito privilegiado. Na quarta-feira, pela tarde, conversaram com jovens do projeto Rotas de Fuga, do Observatório de Favelas, com quem partilharam os temores e esperanças da juventude que vive as agruras do processo de extermínio promovido pelos efeitos da proibicionista política de drogas. Na medida em que esta termina por alimentar lógicas de controle territorial armado, deixando reféns comunidades inteiras, torna ainda mais vulneráveis os corpos jovens, em especial masculinos, entre 15-24 anos nas áreas urbanas, entre 15-32 anos nas áreas rurais.

Os olhares, falas, afagos, abraços, questões, sussurros, todos foram vibrantes. As confusões de linguagens jovens distintas nos seus regionalismos e códigos particulares também. Ficou uma gama de curiosidades para uns e outros. Os jovens da Maré tinham alguma - pequena - curiosidade sobre os processos da cadeia produtiva do Polígono da Maconha e seus processos de geração de ciclos de violência. Os jovens do sertão tinham muita curiosidade sobre como se estabeleciam estratégias de sobrevivência em um território tão minado por presença de agentes violentos de códigos distintos entre si (tanto em termos da fragmentada rede qualificada como ilítica, como da polícia). Ao fim e ao cabo, os dois grupos de jovens se davam conta de quão necessárias são estratégias de construção de alternativas, a partir da sociedade civil e do Estado. E acrescia a pergunta em resposta ainda: o que o Estado pode oferecer como alternativa?

À noite eles foram ao campus Méier, da Universidade Estácio de Sá, numa turma de Pedagogia, na qual leciono, numa aula de Filosofia da Educação, para o segundo período. Eles tinham dúvidas sobre como alunos universitários ouviriam outros estudantes universitários do sertão, do Nordeste. Em especial, tinham dúvidas porque falariam na condição de jovens camponeses, de agricultores. Por outro lado, os estudantes de Pedagogia se perguntavam: o quê essa experiência ajuda a compreensão de nossa própria realidade? Ao fim e ao cabo, após uma exposição muito tranqüila por parte deles, choveram questões sobre tudo: a respeito do processo de formação para realizar a pesquisa; a respeito do processo de formação de multiplicadores e das ações que os jovens desempenham; sobre os enfrentamentos com a questão da violência, entre outras. Uma questão particular chamou a atenção: a questão sobre como os jovens camponeses pesquisadores refletiam sobre os resultados da pesquisa? - e ficou isso como um desafio.

No dia seguinte, eles foram de manhã para o PROFEC (Programa de Formação Educação e Comunitária), na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Trata-se de uma organização que desenvolve projetos de formação profissional e cidadã com crianças e jovens em Jardim Primavera e articula processos políticos e ecumênicos em toda a Baixada Fluminense. Eles se encontraram com 25 jovens da região. Pareciam se conhecer a muito tempo. Isso se deu quase todas as vezes. Após a apresentação dos resultados da pesquisa rolaram questões de esclarecimento e muita conversa sobre como vivem os jovens lá e aqui na Baixada.

Foi um momento também enriquecedor, porque se tratavam de jovens da periferia urbana, que vivem em áreas de situação de risco de morte, mas com enfrentamentos diferentes daqueles vividos no Complexo da Maré. Ao mesmo tempo, há ainda entre eles vários que têm pais ou avós que são migrantes nordestinos. Uma das coisas que chamou a atenção para os dois jovens camponeses sertanejos era como o sotaque nordestino irritava ou causava espécie de estranhamento para os jovens da Baixada, talvez um processo de rejeição de origens, ou simplesmente o bom humor carioca tirando sarro com o diferente, ou o velho preconceito do Sul/Sudeste em relação ao Nordeste.

Na parte da tarde, eles estiveram na UFF (Universidade Federal Fluminense), campus do Gragoatá, no município de Niterói, no Rio de Janeiro. Primeiramente, se encontraram com os professores Paulo Carrano e Ana Karina Brenner do Observatório Rio Jovem. Tiveram uma excelente conversa. Falaram para mim que apreciaram muito poder contar das experiências que têm vivido e responder a muitas questões. Depois foram para a turma da disciplina da Sociologia Rural, do curso de Engenharia Agrícola, conduzidos pela profa. Ana Motta. Mais uma vez eles disseram: parecia que ela nos conhecia há muito tempo. E ficaram muito felizes com a introdução que ela fez sobre a região, a luta dos atingidos pela barragem de Itaparica e o Pólo Sindical. Apresentaram a pesquisa aos jovens universitários e ouviram e responderam questões. Para terminar o dia, foram até o Solar do Jambeiro, assistiram aos jovens cantores da Escola de Música Villa Lobos e participaram do lançamento do livro “Laudo Multidisciplinar em Conflito Socioambiental” da profa. Ana Motta.

Na sexta-feira, tiveram com a Priscila Chagas, nossa assistente, uma pequena excursão cultural no Centro do Rio de Janeiro, pela manhã. Foram à exposição sobre a China, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), e ficaram pasmos com uma das obras que não parecia ter figura alguma: isso é arte? Perguntaram-se! Na parte da tarde, no escritório de KOINONIA, foi quase uma experiência de êxtase coletivo. Não só apresentaram a pesquisa, como disseram a muitos: nossa pesquisa! E ainda falaram das ações com a juventude: essas que a equipe de KOINONIA conhece bem, disseram. O tempo inteiro a cumplicidade, o desejo comum para identificar em todas as falas aquilo que permite avançar a radicalização da democracia, a construção da justiça social, o empenho por desenvolvimento rural sustentável e solidário, a superação de todas as formas de violência, estavam presentes – elementos que constituem o ecumenismo libertário pelo qual vive KOINONIA. Foi muito bonito ver como cada pessoa, quem está cumprindo atividades as mais diversas na instituição, se reconheceu como parte de cada uma das conquistas, perdas, alegrias, sofrimentos e esperanças que Jocivaldo e Tatiane partilharam.

No sábado, tivemos um dos momentos mais importantes desse intercâmbio. O encontro de jovens camponeses sertanejos com jovens remanescentes quilombolas. Fomos até o povoado de Lídice, na cidade de Rio Claro, na comunidade do Alto da Serra do Mar. O dia estava meio gris. Porém, o sol brilhava na baía de Angra dos Reis. Escolhemos esse caminho de ida porque era de uma paisagem mais exuberante. Os olhos, os corações e as mentes se encheram daquele verde da serra da Mantiqueira e do mar da baía de Angra. Ao atravessarmos os túneis esculpidos há mais de 200 anos pelos escravos, naquelas montanhas, a beleza negra e afro se confundia com a beleza da escultura e da ausência de iluminação naquela travessia. Já no caminho barrento e pedregoso para a casa de dona Teresinha, a matriarca da comunidade, o coração batia mais acelerado, a expectativa crescia tanto quanto a adrenalina fazia correr o desejo do encontro.

Carro parado, as pessoas se achegando para nos receber, muitos cachorros dispersos: nossa, quanto cachorro...Um deve ser campeão, o mais velho deve ser o dono do lugar, dizia Jocivaldo. Isaías, com aquela voz do timbre do seu Jorge e aquele sorriso inebriante, nos recebeu, `bora chegar. Entramos. Ana Emilia, companheira de KOINONIA, assessora assistente do Programa EGBÉ, velha conhecida da comunidade, foi se chegando para a cozinha, vou ajudar pra fazer a comida, vão caminhar... Isaías quebra o roteiro; primeiro, o café. Pão feito em casa, queijo da fazenda, cafezinho quente e doce da roça. Estamos em casa, diziam Jocivaldo e Tatiane, em que concordamos tacitamente Ana, Priscila e eu. Durante o café, as muitas conversas de reconhecimento, as muitas risadas. Paulinho, o filho mais velho de dona Teresinha, um jovem senhor com quase a minha idade ou um pouco mais velho que eu, ria todo o tempo – a mãe comentava: está quase cego, é o glaucoma...

Fomos com Bené, Isaías, Miriam, Vanessa e as crianças, os cinco, Ana Emília, Priscila, Jocivaldo, Tati e eu – éramos um séquito feliz e esperançoso. Caminhamos naquela trilha de barro, que subia. Jocivaldo, Bené e Isaías conversavam sobre cobras, as várias que ali existem; tem de quatro ventas?, perguntou Jocivaldo, risadas, mas, o que é isso?, queriam saber. Explicações. Risadas. Tem não. Mas, havia outras... e tome conversa. No caminho encontramos Hélio e João que construíam a casa do primeiro, esse aí é um primo meu, explicava Isaías. Fomos à roça de cana e mandioca. Ana Emília, urbanóide pouco habilidosa – como eu – nos tratos da roça: vou puxar uma mandioca. É difícil, disse o Bené rindo e contando outra aventura de um companheiro nosso, o André (Figueiredo), com a enxada. Risadas. É difícil. A Ana tentou, mas foi Miriam quem conseguiu. É tudo como na nossa realidade, concluía Tatiane, muda a vegetação, aqui é floresta de mata atlântica, a nossa é caatinga.

Seguimos, vimos os riachos, pouco mais subíssemos veríamos nascentes, e tudo segue para se juntar ao Paraíba, velho de guerra, e ainda está ali, puro, água boa de beber. Bebe filho, disse Bené ao João Paulo, que lhe pediu para beber. Fomos até a agrofloresta, plantada no início desse ano, já em período de segunda limpeza. Bené voltou para casa com as crianças, que choravam por nos deixar. Isaías nos mostrou essa outra roça, da qual tinha grande orgulho, porque ele participou do mutirão e isso ainda ia seguir para outras comunidades de remanescentes quilombolas da região. Mais de quatrocentas mudas foram plantadas. Tudo pensado agroecologicamente.

Retornamos à casa de dona Teresinha. Agora o almoço. Vaca atolada, arroz, feijão, carne moída, salada verde. Tudo muito bom. Delícia de comida. E a conversa solta, e as risadas, e as piadas. Concluída a refeição, um papinho curto ainda na casa e vamos sentar para uma conversa mais amiúde. Descemos da casa para o templo da Igreja Assembléia de Deus, que se congrega ali – quase sob o Reino, é sob a casa (coisa de teólogo). No temploestão quase todos os da casa, as crianças não vieram para a conversa. Os jovens da comunidade, alguns casados, outros solteiros ainda, muito novinhos. Isaías abre a conversa. Tudo muito organizado, como que tendo um tempo, como cumprindo um ritual. Ele fala, diz o que a gente veio fazer aqui, fala da alegria desse acontecimento.

Ana recebe a palavra, fala um pouco mais e me pede para fazer as honras de introdução à fala dos jovens. Procuro ser breve, falo de Koinonia, com quem os jovens sertanejos e os remanescentes quilombolas trabalham e conhecem, falo do conjunto dos programas e digo da importância desse diálogo entre dois grupos que têm identidades, semelhanças e diferenças para construir visões de mundo, estratégias políticas, ações culturais. Jocivaldo e Tatiane tomam a palavra, falam da alegria da partilha. Contam suas experiências. Falam de suas vidas. Sobretudo, dizem que falam se sentindo em casa. Apresentam os resultados da pesquisa. Todas as pessoas ouvem. Eles terminam e pedem que falem. É dona Teresinha quem fala primeiro, diz que é muito bom saber que jovens, onde existe violência, produzem ações para a superação dela, e conseguem superar. É bom. Jocivaldo a interrompe, Isaías interrompe... ela sorri timidamente, quase mineiramente, e retoma a palavra do ponto que tinha parado, como se ninguém a tivesse interrompido.

A conversa segue. Os dois jovens do sertão fazem muitas perguntas sobre a comunidade quilombola, em especial sobre racismo, sobre as lutas que eles têm. Eu pergunto sobre os jovens da comunidade. Todas as respostas são muito ricas, muitas falas. A conversa parece que vai seguir sem fim. Peço a Ana para interromper, porque a gente precisava retornar. Para terminar, canções do Paulinho, uma que ele fez para Lídice. Ana diz, você tem que fazer uma para o Alto da Serra. Hilda e Débora, a primeira irmã de Isaías, Bené, Paulinho e dos outros dez filhos de dona Teresinha e seu Dito, e a segunda esposa de Bené e cunhada de Isaías, concordam. Aliás, todo relato dessa experiência é falho, sem falar da presença marcante dessas mulheres na comunidade. Mais um café, antes de sair, e seu Geraldo oferece uma série de enigmas: o que é que é: quatro mortos esticados e cinco vivos balançando encima deles? o que é que é encima um vivo, embaixo um morto e embaixo outro vivo? E seguia, parecia não ter fim, e muitas risadas, muitos agradecimentos, muitos abraços...




Seguimos para o carro e vínhamos para casa. Quando quê, começa um enxame de perguntas para a Ana Emília, dos dois jovens, e minhas e de Priscila, sobre a diferença entre a propriedade coletiva e as questões que dela seguem, em comparação ao processo do reassentamento irrigado: processo sucessório? Separações conjugais? Parentes de fora? E por aí seguia. Foi um papo animado. Foi bom, foi muito bom.

O domingo e a segunda-feira serviram para restabelecer o espírito. Mais passeios na cidade, na Zona Norte da na Zona Sul.

Fim de noite no domingo, uma pizza em Copa. Para terminar, na segunda, depois de uma manhã e uma tarde no escritório de Koinonia, para me acompanhar, uma visita ao Cristo Redentor. Pena, dia nublado. Na terça, retorno, mas antes disso uma prainha na Barra, para Tatiane e minha mulher, Raquel, que os acolheu solidariamente durante essa semana que eles estiveram conosco no Rio de Janeiro, como a mãe de Priscila, Neide, também por uma noite. Agora, vamos ainda viver os frutos dessa experiência, ainda vai ter tempo para isso.

Se alguém se sentir motivada, ou motivado, pode escrever para eles, para que saibam o que vocês sentiram dessa experiência deles. Eles mesmos escreverão o que viveram e o que sentiram e nós esperamos partilhar isso com vocês. Os e-mails deles são: jocivaldorodelas@hotmail.com e vaniatati@yahoo.com.br . Também podem partilhar as opiniões de vocês com Koinonia e com o Pólo Sindical dos Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco:

trd@koinonia.org.br e polosubmedio@uol.com.br

No mais, um beijo para todas e todos;
Jorge Atílio Silva Iulianelli
Coordenador do Programa TRD